A ausência de jovens nas esferas mais altas do poder público do país não significa que eles estejam alienados da política. Uma pesquisa feita pela revista Época, em parceria com a Retrato Pesquisa de Opinião e Mercado, traz uma surpresa positiva sobre a relação da nova geração com o poder.
Os dados da pesquisa, que ouviu 990 adolescentes entre 16 e 18 anos de escolas públicas e privadas em 10 capitais brasileiras, revelam que os adolescentes não estão nos partidos, mas fazem política em seu dia a dia. Metade deles já aderiu a uma causa pela internet. Estão descontentes com as formas tradicionais de representação, mas acreditam que é possível mudar a realidade se cada um fizer sua parte. Dois em cada cinco topariam seguir uma carreira política, se surgisse a oportunidade.
Para a socióloga Miriam Abromovay, que estuda política e juventude, os resultados quebram o mito de que os adolescentes não gostam de política. Germano Guimarães, fundador do Instituto Tellus, acrescenta: “Eles apenas a veem de uma maneira menos formal e mais pragmática. A geração atual está menos ligada aos meios e às formas e mais ligada aos fins e aos propósitos”, diz..
Para 92% dos adolescentes entrevistados, política é discutir assuntos que mexem com a vida de cada um e da comunidade. A relação com partidos políticos não é indicador de interesse pela política ou até mesmo de engajamento para esta geração, diz o economista Sérgio Braga, diretor da Retrato.
Sem preferências
Segundo a pesquisa,, a maioria dos jovens 52% não tem um partido de sua preferência e 56% dizem que a descrença é o principal sentimento em relação aos políticos. A má imagem dos partidos torna difícil atrair os jovens. Apenas 1% disse ser filiado a algum.
“Toda vez que a gente vai conversar com um jovem e fala que está em um partido, ele já pensa em corrupção”, diz Paulo Mathias, presidente da juventude do PSDB em São Paulo.
Para Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política, existe uma crise de representação. Os partidos são muito fechados e dominados por oligarquias..
“Muitos partidos acham que os jovens só servem para segurar bandeira e colar adesivo”, diz Ângela Santos Guimarães, secretária adjunta da Secretaria Nacional de Juventude, órgão criado em 2005 para ampliar a representação política dessa faixa da população.
Para aumentar a participação dos mais jovens em todas as esferas, o Partido dos Trabalhadores decidiu em seu último congresso, em setembro, reservar para eles 20% dos postos de direção. A formação da juventude é uma das causas do partido há décadas e, em alguns lugares do país, até 40% dos candidatos têm até 30 anos.
Embora não se identifiquem com nenhuma legenda, 41% dos jovens entrevistados não descartam seguir carreira política. Isso é um puxão de orelha nos partidos políticos, que estão perdendo uma grande oportunidade de atrair esse público, diz o cientista político Fernando Abrucio. Para ele, os líderes políticos têm de fazer mais que entrar no Twitter para atrair os mais novos. Precisam abrir um espaço real dentro dos partidos para acolhê-los.
Os resultados da pesquisa revelam que os jovens de hoje estão mais abertos para esse diálogo do que os partidos imaginam. Eles são menos radicais em suas crenças. A maioria reconhece que nem todo político é ladrão e acredita que pessoas honestas podem, sim, entrar para a política. Também reconhecem que o poder é capaz de corromper, mas não consideram a tentação inescapável.
Para Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia política da Universidade de São Paulo (USP), o pragmatismo com que o jovem atual vê a política tem um caráter positivo.
“ Ele ajuda os jovens a ver as coisas como realmente são”, diz. “E, ao conseguir enxergar a sociedade de forma mais realista, eles têm mais clareza de como podem agir para mudá-la”.
Um indício da visão prática desses jovens são seus ídolos. A maioria diz que admira lideranças contemporâneas, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, a presidente Dilma e a ex-candidata Marina Silva. Muitos destacam familiares e amigos. Citam esses nomes ao lado dos ícones clássicos, como Dalai-Lama e Che Guevara. “O jovem não espera mais um mártir que virá para salvar a todos”, diz o sociólogo Gabriel Milanez, da empresa de pesquisa Box 1824. Os heróis estão no cotidiano.
Além de visão pragmática da política, os jovens também se mostram inclinados a agir dessa forma. Eles julgam nas atitudes individuais. De acordo com a pesquisa, 46% dos adolescentes julgam que a melhor forma de transformar a sociedade é cada um fazendo sua parte. Em segundo lugar, com 24%, vem votar de maneira consciente; em terceiro, com 16%, organizar grupos em torno de causas; e, em quarto, com 9%, fazer protestos.
Engajamento
Enquanto 24% dos jovens entrevistados na pesquisa dizem já ter participado de alguma manifestação, 39% afirmam já ter feito algum tipo de trabalho voluntário. O resultado concreto desse voluntariado é um incentivo para os adolescentes. Quando percebem que suas ações trazem resultados positivos, eles têm ainda mais vontade de agir. Isso os leva gradativamente a buscar entidades com maior alcance.
Esse engajamento é saudado por Janine Ribeiro, da USP. Segundo ele, essa geração acredita que mesmo uma ação localizada e individual pode fazer alguma diferença diante de grandes problemas que a aflige, como a desigualdade, a má educação ou a destruição ambiental. As outras gerações se perguntavam de que adianta diante do desafio. Agora, valorizam mais a ação, afirma.
Dar mais valor à iniciativa individual também traz seus riscos. A ação individual é importante como postura ética, diz Aldo Fornazieri. Mas, para fazer mudanças políticas e econômicas, é necessário haver organizações políticas que deem consequência e continuidade ao movimento. Sem isso, essas iniciativas correm o risco de ser tão efêmeras quanto um modismo na internet. As ferramentas como o Twitter e o Facebook podem ser o início da atividade política, pois ajudam a mobilizar pessoas em torno de uma causa. Mas, por si, são incapazes de promover mudanças políticas.
Interesse na educação
O caminho para agradar ao paladar juvenil é trazer as grandes causas do país para os assuntos que interessam aos jovens diretamente. O tema que mais os mobiliza, segundo a pesquisa, é a educação. Para os jovens, melhorar a qualidade do ensino deve ser a prioridade do Brasil. “Essa preocupação tem de ser comemorada, porque tem potencial de melhorar o Brasil”, afirma Abrucio. Se conseguirem melhorias consistentes nesse setor, os jovens atuais têm tudo para deixar para a próxima geração um legado mais otimista do que receberam.
“Esses jovens têm ideário e informação para entrar na política de forma diferente, diz Abrucio. Mas é difícil prever se vão conseguir de fato mudar. Eles têm o potencial, mas vão ter de vencer as barreiras das elites partidárias e manter-se imunes aos vícios do atual jogo político”, diz Abrucio.
Fonte: Revista Época
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