Ao defender a justiça da restauração, magistrado propõe uma nova concepção a respeito das respostas às práticas de infrações ou aos conflitos
Magistrado defende, em evento sobre Direitos da Criança e do Adolescente, a adoção de um novo paradigma. A Justiça Restaurativa foca no diálogo e na responsabilidade entre vítima e agressor.
Uma justiça fundamentada mais na
reparação do dano do que na punição. Assim o juiz Leoberto Brancher,
coordenador do Núcleo da Justiça Restaurativa da Escola da Magistratura
do Rio Grande do Sul, define esse modelo de ação do poder judiciário.
Essa justiça, segundo ele, propõe uma nova concepção a respeito das
respostas às práticas de infrações ou aos conflitos. “Ela se fundamenta
mais no diálogo do que na perseguição, mais na responsabilidade do que
na culpa e mais na construção participativa de uma solução do que na
imposição vertical de uma pena por uma autoridade hierárquica”, afirmou
ele. Confiante no avanço dessa iniciativa, Brancher diz ser provável
que, num período não muito longo, olhemos para o modo como fazemos
justiça hoje da mesma forma como olhamos para o pelourinho.
O
juiz foi um dos palestrantes do “Seminário Direitos em Pauta:
Imprensa, Agenda Social e Adolescentes em Conflito com a Lei”, realizado
em Brasília, uma promoção da Agência Nacional dos Direitos da Infância
(Andi). Confira a entrevista:
O que é Justiça restaurativa?
É
a Justiça que propõe uma nova concepção a respeito das respostas à
prática de infrações ou conflitos. Ela se fundamenta mais na reparação
do dano do que na punição, mais na responsabilização do que na culpa e
mais na construção participativa de uma solução do que na imposição
vertical de pena por uma autoridade hierárquica.
Como ela funciona?
O
agressor é colocado frente à frente com a vítima para ter uma visão
concreta do dano causado. Ele passa a conhecer o homem, o sentimento, e
identifica a repercussão material e emocional do seu ato, isso
estabelece um princípio de responsabilização ativa, diferente da
responsabilidade passiva, que é de receber uma punição. Na reparação de
dano, ele assume o dever de fazer alguma coisa para consertar o estrago
causado. Não é apenas o ofensor que se responsabiliza, mas toda a
comunidade, a família, vizinhos e etc, para que participem da reflexão e
encontrem as causas que levaram à prática da infração e possam se
associar na elaboração de um plano para evitar que esses comportamentos
se repitam no futuro.
Qual o objetivo dessa iniciativa?
O
principal objetivo do procedimento restaurativo é o de conectar pessoas
além dos rótulos de vítima, ofensor e testemunha, desenvolvendo ações
construtivas que beneficiem a todos. A expectativa é de fazer com que o
adolescente se responsabilize com as consequências do ato praticado,
incentivando, o quanto possível, à reparação. Esse é um conceito
restaurativo de responsabilidade, um marco de fundação de um modelo
juvenil de justiça restaurativa no Brasil.
Quais as vantagens dela em relação à Justiça convencional?
O
primeiro fator é o papel da vítima, que é excluída do processo
tradicional, onde é usada apenas como testemunha da acusação. A Justiça
Restaurativa pergunta à vítima o que ela sofreu, qual a necessidade dela
por ter sofrido a infração, significando um poder curativo da
intervenção da Justiça ao cuidar dos relacionamentos. Há um
deslocamento do campo jurídico para o campo das relações humanas e essa
humanização, a partir da personagem da vítima, permite uma compreensão
de co-responsabilidades associadas a ocorrência dessa infração.
Qual tem sido o resultado disso?
Temos
indicadores apontando para o sucesso desse modo de agir, especialmente
em certos casos. A mudança de atitude dos operadores do sistema, a JR é
um novo paradigma cultural, é mudança de foco na compreensão do fenômeno
do delito e das estratégias que adotamos para solucioná-lo. A prática,
ainda que seja restrita em termos quantitativos, não tem relevância
estatística no cotidiano de uma vara de Justiça Juvenil ou uma vara
comum, mas isso é uma mudança de postura que pode influir positivamente
na compreensão de toda a tarefa e progressivamente transformando as
rotinas e procedimentos em praticas institucionais.
É uma mudança de paradigma?
Sim.
Essa é a via da Justiça restaurativa, que propõe que a forma de lidar
com o crime e com a violência não deve mais se basear na busca da culpa e
no castigo, com imposição de penas violentas, mas em uma ética baseada
no diálogo, na inclusão e na responsabilidade social.
A estratégia da punição não é eficiente?
Entende-se
que o uso do castigo não é uma estratégia eficaz para mudanças de
condutas, ressarcimento do dano ou restauração de relacionamentos, pois
se presta apenas a retroalimentar a violência e estigmatizar o agressor
sem que este reflita sobre sua conduta nem entre em contato com o valor
afetado pela atitude criminosa. Nada o leva a compreender as causas de
seu ato, a se conscientizar das consequências e, sobremaneira, a assumir
responsabilidade por sua conduta. Nesse sistema retributivo, tampouco é
levada em consideração a dor suportada pela vítima, seus sentimentos e
suas necessidades. A vítima é ouvida apenas como elemento de prova num
processo judicial.
Onde entra a família e a comunidade?
A
comunidade (parentes e amigos da vítima e do transgressor) atingida
indiretamente pelo crime também é excluída nesse processo e sequer são
considerados os efeitos do ato criminoso em seus integrantes,
dificultando, assim, a reelaboração do trauma social. Outro proveito da
Justiça Restaurativa é o empoderamento das comunidades e a mobilização
das redes primárias, de vinculação sócio-afetivas e proximidade deles.
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